sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Com água do mar na descarga, Hong Kong dá exemplo de conservação hídrica

Rafael Barifouse
Da BBC Brasil, em São Paulo
  • JohnLSL/CC
    Hong Kong tem há mais de 50 anos sistema para captar água do mar e usá-la em descargas Hong Kong tem há mais de 50 anos sistema para captar água do mar e usá-la em descargas
Uma enorme quantidade de água potável é hoje usada para dar descarga: o uso sanitário representa cerca de 30% do consumo doméstico, segundo a ONG britânica Waterwise, e até 70% do uso em edifícios comerciais.
Mas existe uma alternativa para evitar o desperdício, especialmente em um país com um litoral tão extenso quanto o do Brasil: utilizar a água do mar.
É o que faz Hong Kong, onde 80% dos 7,2 milhões de habitantes têm suas descargas abastecidas com água salgada.
A prática começou há mais de cinco décadas por causa da falta d'água crônica na ilha, que se tornou desde então uma referência mundial em conservação hídrica neste quesito.

"É uma solução que preserva a água tratada para uso mais nobres e ajuda a garantir a oferta para o consumo humano", avalia Pedro Luiz Côrtes, especialista em gestão ambiental da Universidade de São Paulo (USP).
Glauco Kimura, coordenador do Programa Água para a Vida da ONG WWF-Brasil, acha que é "um absurdo ainda usarmos água limpa em descargas".
"Isso provavelmente ainda não mudou porque não tínhamos enfrentado uma crise, mas deveríamos importar esta tecnologia de Hong Kong."

Solução premiada

Em Hong Kong, a água do mar começou a ser usada em descargas em 1958, quando a ilha já se deparava com a perspectiva de falta d'água. Não existem em Hong Kong reservas hídricas subterrâneas expressivas em seu solo rochoso, e as chuvas atendem a apenas um quarto da demanda. O restante é importado da China por meio de dutos submarinos ou trazido do mar.
Segundo o órgão responsável pelo abastecimento da ilha, o "uso extensivo de água do mar tem ajudado a reduzir a demanda por água potável em descargas".
Em 2014, uma média de 762,5 mil metros cúbicos por dia foram usados com este propósito, o suficiente para encher 305 piscinas olímpicas.
Cerca de 5,75 milhões de pessoas usam atualmente água do mar na descarga, com a ajuda de uma infraestrutura composta por 35 estações de transmissão e 1,5 mil km de tubulações. A intenção do governo é atender 85% da população deste forma ainda em 2015.
A água potável é subsidiada pelo governo de Hong Kong, e seus preços estão congelados desde 1995. A água do mar é fornecida gratuitamente.
O Departamento de Fornecimento de Água de Hong Kong esclarece que a água do mar não recebe o mesmo padrão de tratamento da agua doce. Mas a empresa diz que ainda assim "cumpre diretrizes" para evitar eventos adversos.
Primeiro, a água é filtrada para retirar grandes partículas de impurezas. Depois, é desinfetada com cloro ou hipoclorito de sódio antes de ser levada a reservatórios, de onde é distribuída à população.
A ilha tem dois sistemas de encanamento, um para água doce e outro para a salgada.
Mas, depois de usada, a agua salgada é descartada na rede de esgoto usada para a água doce e recebe o mesmo tratamento. Cerca de 25% do esgoto em Hong Kong é composto por água do mar.
O programa da ilha foi premiado em 2001 pelo Chartered Institution of Water and Environmental Management, entidade britânica que reúne profissionais, cientistas e empresários dedicados a questões ambientais.
"Usar água do mar em descargas economiza não só água, mas também energia. Requer a metade da energia usada na produção de água potável, dez vezes menos do que no tratamento de água de esgoto e cem vezes menos do que o processo de dessalinização", disse Chen Guanghao, professor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, em um artigo sobre este sistema para o The Standard, diário em inglês de Hong Kong.
"Além disso, a água salgada requer de 35% a 50% menos energia para ser resfriada, o que permite ainda mais economia se a usarmos em sistemas de ar condicionado."

É viável no Brasil?

Hong Kong é até hoje a única cidade do mundo a usar água do mar nesta escala. Há outros exemplos menores, como o de Avalon, cidade na ilha de Catalina, no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, com 3,5 mil habitantes, e as ilhas Marshall, também no oceano Pacífico.
Côrtes, da USP, acredita que esta alternativa poderia ser aplicada em cidades na costa brasileira.
"Poderia começar em áreas urbanas que estão se expandindo, com a criação de novos bairros já com esta infraestrutura", afirma Côrtes.
"Seria necessário que os novos edifícios tivessem duas linhas de transmissão de água. No entanto, se isso já estiver previsto no projeto, não gera quase nenhum custo a mais para a construtora."
Mas, para abastecer estes edifícios, primeiro seria preciso criar uma nova infraestrutura de tubulação, como a de Hong Kong.
E o custo de construção e manutenção de uma segunda tubulação é um dos desafios deste tipo de abastecimento, de acordo com Daniel Cheng, vice-presidente de conselho da Federação de Indústrias de Hong Kong. Isso inclui usar dutos mais resistentes à corrosão provocada pelo sal presente na água.
"O custo não é tão alto. Bastaria haver um incentivo governamental, por meio de incentivos fiscais à infraestrutura necessária", afirma Kimura, da WWF.
Outra forma de viabilizar a nova infraestrutura seria por meio de parcerias, defende Côrtes: "Grandes consumidores, como shoppings e universidades, poderiam compartilhar o custo da construção destas novas linhas de distribuição".
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Crise hídrica atinge dezenas de cidades brasileiras319 fotos

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domingo, 8 de fevereiro de 2015


Conheça o mamífero mais traficado do mundo

Firdia Lisnawati/AP
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O gentil e solitário pangolim tem uma língua maior que seu próprio corpo e se enrola todo, parecendo uma bola, quando ameaçado. Mas sua maior ameaça atualmente é a extinção --ele é o mamífero mais traficado no mundo.

Em frente a um edifício do governo perto da fronteira norte do Vietnã com a China, um jovem ativista chamado Nguyen Van Thai tenta abrir uma frágil caixa de madeira com um facão. Ele tira quatro sacos plásticos e os coloca no chão. De cada um deles, o garoto puxa uma bola escamosa escura, mais ou menos do tamanho e do peso de uma pedra redonda.

Gradativamente --e com muito, muito cuidado--, uma daquelas bolas começa a se desenrolar, revelando dois olhinhos escuros, um focinho longo, uma cauda ainda mais comprida e uma barriga rosada. Trata-se do pangolim.

O animal é o único mamífero totalmente coberto de escamas, que, quando ameaçado por predadores, simplesmente se enrola todo em uma bola para se proteger. Ele come 7 milhões de formigas e cupins em um ano usando a língua viscosa, que chega a ser maior do que seu próprio corpo. Sem nenhum dente na boca, o pangolim armazena pedras em seu estômago que lhe ajudam a moer a comida.

Apesar de ser um bicho notável, poucos já ouviram falar sobre o pangolim. E o motivo é que eles raramente sobrevivem em cativeiro. Apenas seis zoológicos no mundo - e somente um na Europa, em Leipzig, na Alemanha, têm um exemplar dessa espécie. Os pangolins também se distinguem dos outros animais por outra particularidade: eles são os mamíferos mais traficados do mundo.

Extinção

Enquanto a mídia se concentra nas situações dos elefantes e dos rinocerontes, as "celebridades" do mundo animal, cerca de 100 mil pangolins por ano são retirados de seu meio natural e enviados à China e ao Vietnã.
Nesses dois países, a carne dos pangolins é considerada uma iguaria, e as escamas deles são conhecidas por terem propriedades medicinais. Agora já não existem mais pangolins em grandes áreas do Sudeste da Ásia, então o alvo agora tem sido os pangolins da África. Todas as oito espécies do mamífero estão ameaçadas de extinção.

Até o Príncipe William, do Reino Unido, chegou a fazer um alerta recentemente: "O pangolim corre o risco de se tornar extinto antes que muitas pessoas sequer ouçam falar dele." Os quatro pangolins que estavam na caixa aberta por Nguyen Van Thai haviam sido confiscados pelo Departamento de Proteção de Floresta do Vietnã de dois traficantes. Eles haviam sido capturados na madrugada quando tentavam cruzar, de moto, a fronteira com a China pela floresta.

Nguyen, que chefia uma ONG chamada "Salve a vida selvagem do Vietnã", vai levar os pangolins para o centro de resgate que ele gerencia no parque nacional de Cuc Phuong, no sul da cidade de Hanói.

À medida que seguimos rumo ao sul, o jovem ativista nos explica como os pangolins - que eram tão comuns em sua infância - haviam sumido das florestas do Vietnã e agora estão amontoados em barcos ou caminhões de países como Indonésia e Malásia.

Eles vêm aos montes pesando muitas toneladas, mortos ou vivos, frescos e congelados. Os vivos são os que têm mais valor. Antes de vendê-los, os traficantes costumam encher os estômagos dos animais de cascalho ou amido de arroz para aumentar o peso deles.

No centro de resgate, vimos alguns pangolins saírem de suas tocas à noite, e eu comecei a entender por que aqueles que trabalham com esses bichinhos gostam tanto deles. Eles lembram uma alcachofra com pernas. São gentis, criaturas solitárias com uma marcha de rolamento quase cómica. Eles carregam seus filhotes em suas caudas e se enrolam em volta deles para protegê-los. Eles usam essa cauda elástica também para se prenderem aos ramos das árvores ou para alcançar as profundezas dos formigueiros, onde ficam suas presas.

Iguaria

Nguyen diz que as autoridades às vezes conseguem prender os traficantes, mas sempre com base em informações passadas por quadrilhas rivais. Muito pouco ainda é feito, opina ele, para acabar com o comércio ilegal de pangolins na região.
No dia seguinte, ele me levou para Hanói para mostrar o que ele estava querendo dizer. No período de uma hora, visitamos quatro farmácias aleatoriamente no bairro mais movimentado da cidade. Produtos de escama de pangolim eram vendidos como cura para tudo, de câncer à acne, passando por deficiência de leite materno.

Eles pediam US$ 1,5 mil (R$ 4,2 mil) por um quilo do produto. Perguntamos por que era tão caro, e uma mulher respondeu sem nenhum pudor: "Porque eles são raros e ilegais". Com a mesma facilidade, encontramos restaurantes vendendo pangolins para comer por US$ 250 o quilo (R$ 687). O dono de um dos restaurantes explicou que um animal vivo poderia ser trazido para a nossa mesa, onde a garganta dele seria cortada e o sangue seria servido como um afrodisíaco.

Ele recomendou que pedíssimos a carne refogada e a língua cortada para uma sopa. Em seguida, preparou uma jarra de vinho de arroz com um pequeno pangolim morto dentro. Total da conta: US$ 200 (R$ 549). Foi uma visão repulsiva.

O problema, reclamou Nguyen, não eram os pobres e analfabetos vietnamitas, e sim a elite mais rica do país - os oficiais do governo e os ricos que pediam pangolim apenas para mostrar status ou celebrar o fechamento de um bom negócio.

"Noventa milhões de vietnamitas não podem mais ver pangolins em seu próprio país porque uns poucos ricos do governo ou empresários querem comê-los", disse ele, irritado. "Isso é nojento".

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