segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Opinião: Missão no Afeganistão não deixa de ser uma guerra

O governo alemão se refere a uma "missão de estabilização". No entanto, será que os soldados alemães no Afeganistão não estão envolvidos numa guerra de fato? Peter Stützle comenta.


Esta guerra não é guerra. Guerra é quando um Estado ataca um outro com soldados. Pelo menos é isso o que consta do direito internacional. Podia-se falar de guerra, quando a aliança internacional sob liderança norte-americana atacou a Sérvia, a fim de impedir um temido genocídio no Kosovo.

No Afeganistão, entretanto, não são países combatendo países. Lá o que impera é uma guerra civil, e diversos Estados, inclusive a Alemanha, estão combatendo os rebeldes do Talibã ao lado do governo por eles reconhecido, o do presidente afegão, Hamid Karzai.

Mas é claro que guerra civil também é guerra, embora não o seja no sentido estipulado pelo direito internacional. A não ser que um país lute do lado dos rebeldes contra um governo legítimo. Neste caso, do ponto de vista do direito internacional, o país em questão estaria lutando contra o Estado representado por esse governo.

No entanto, nem sempre é fácil falar de governos legítimos. Durante a Guerra Civil Espanhola, a Alemanha nazista e a Itália fascista apoiavam o golpista Franco, cujo governo era reconhecido como legítimo pelos dois países. A União Soviética, por sua vez, apoiava o governo socialista deposto, que continuava a se considerar legítimo.

No Afeganistão, os talibãs se consideravam o governo legítimo, quando – após os atentados de 11 de setembro de 2001 – foram atacados por uma aliança liderada pelos EUA. O governo talibã era reconhecido por alguns países, mas não por norte-americanos e europeus.

Durante uma demorada guerra civil, os talibãs passaram a controlar quase todo o Afeganistão; a Aliança do Norte só conseguiu se manter numa pequena parte do país. Do ponto de vista ocidental, Cabul não tinha um governo legítimo e o Afeganistão era considerado um "failed state", um estado fracassado.

No final dos anos 1940, os comunistas chineses iniciaram uma cruel guerra civil e expulsaram da capital Nanquim o governo republicano internacionalmente reconhecido, adquirindo controle sobre quase todo o país. Os republicanos só conseguiram se manter na ilha de Taiwan. Na década de 1970, entretanto, os países ocidentais passaram a considerar oportuno reconhecer os comunistas em Pequim, então em conflito com Moscou, como o legítimo governo da China.

Quando os talibãs assumiram o poder, a União Soviética já não existia mais. Do contrário, quem sabe se o Ocidente não teria até reconhecido o regime talibã, a fim de criar um polo de oposição a Moscou? Neste caso, uma operação militar contra eles teria sido uma guerra regular.

Como a Al Qaeda, com a tolerância do regime talibã, preparou os atentados de 11 de Setembro a partir do Afeganistão e ainda estava planejando outros, também teria havido um motivo legítimo de guerra. Neste caso, os americanos e seus aliados também deveriam ter criado um acampamento regular de prisioneiros de guerra, a ser vigiado pela Cruz Vermelha, em vez da duvidosa prisão em Guantánamo ou em qualquer outro lugar.

Do ponto de vista formal, a guerra no Afeganistão não é uma guerra. Mesmo assim, não deixa de ser guerra.

Autor: Peter Stütze

Revisão: Rodrigo Rimon