sexta-feira, 30 de outubro de 2015


Por que a política do filho único virou uma bomba demográfica na China

Entenda sobre a política suspensa pelo governo chinês nesta quinta-feira, que levou a abortos forçados e causou impacto profundo na economia do país.

Da BBC
Política foi usada para controle violento de natalidade em diversas regiões do país e abandono de meninas (Foto: AFP Photo/Files/Frederic J. Brown)Política foi usada para controle violento de natalidade em diversas regiões do país e abandono de meninas (Foto: AFP Photo/Files/Frederic J. Brown)

O governo chinês anunciou, nesta quinta-feira (29), que decidiu pôr fim à política do filho único, que por mais de três décadas impediu que casais tivessem mais de uma criança e causou impacto na sociedade e na economia do país. Segundo a agência de notícias estatal Xinhua, o Partido Comunista determinou que, agora, os casais poderão ter dois filhos.
Poucos lugares sentiram o impacto da política do filho único como Rudong, um condado de cerca de 1 milhão de pessoas na Província de Jiangsu, no leste do país. A política começou a ser aplicada neste lugar sob o regime de Mao Tsé-tung.
Mas quando ela virou norma nacional, em 1979, as autoridades de planejamento familiar de Rudong começaram a implementá-la com ainda mais vigor.
Em entrevista recente à imprensa estatal chinesa, um oficial aposentando diz que "caçava" mulheres grávidas, as levava em carrinhos para o hospital e mantinha guarda enquanto elas se submetiam a abortos forçados.
Um exército de médicos bisbilhoteiros tinha a tarefa de monitorar cuidadosamente os úteros – usando dispositivos portáteis de ultrassom – e de registrar ciclos menstruais para garantir que ninguém estivesse carregando um feto escondido.
Tais práticas não são exclusivas de Rudong, mas o condado tornou-se um campeão nacional, tido como "modelo" e inundado de slogans que exclamavam orgulhosamente que o país tinha vencido a fertilidade feminina.
Os efeitos da política também já estão claros. Nos últimos 15 anos, metade das escolas primárias e secundárias da região de Rudong fecharam e cerca de 30% da população já tem mais de 50 anos – uma bomba demográfica prestes a explodir, por causa do aumento dos gastos com previdência social e da queda do número de trabalhadores.
Segundo o correspondente da BBC em Pequim John Sudworth, mesmo a nova política de dois filhos pode manter o crescimento populacional no país lento, já que famílias com apenas um filho se tornaram a norma social.
"Por isso, cerca de 90% dos casais já elegíveis para ter mais um filho optaram por não fazê-lo", diz. "E as mulheres que querem ter mais de dois filhos continuarão sofrendo com o brutal controle do Partido Comunista sobre seus corpos e sua fertilidade."
Em algumas províncias, restrição ao número de crianças começou a ser aplicada no regime de Mao Tsé-tung (Foto: AFP Photo/Greg Baker)Em algumas províncias, restrição ao número de crianças começou a ser aplicada no regime de Mao Tsé-tung (Foto: AFP Photo/Greg Baker)
Entenda mais sobre a política do filho único:
O que é?
A norma, criada nos anos 1970, limitava a maioria das famílias chinesas a ter apenas um filho, apesar de haver exceções.

A política do filho único teria impedido cerca de 400 milhões de nascimentos desde que teve início, segundo estatísticas do governo chinês. Este número, no entanto, é contestado por outros especialistas.
Em 2007, a China afirmou que apenas 36% de seus cidadãos estavam limitados a apenas um filho, por causa de diversas mudanças na política feitas com o passar do tempo.
Por que a política foi introduzida?
Na medida em que a população chinesa se aproximava de 1 bilhão de pessoas, no final dos anos 1970, o governo começou a se preocupar com o efeito que isso teria em seus ambiciosos planos de crescimento econômico.

Apesar de outros programas de planejamento familiar – que ajudaram a reduzir a taxa de nascimentos – já terem sido implementados, o líder chinês Deng Xiaoping decidiu tomar medidas mais drásticas.
A política começou a valer para todo o país em 1979.
Como ela foi aplicada?
De um modo geral, o governo oferece incentivos financeiros e profissionais para os que se adequam à política, além de disponibilizar contraceptivos e multar quem descumpre as regras.

Mas, em alguns momentos, medidas coercivas, como abortos forçados e esterilizações em massa, também foram usadas.
A política foi implementada de maneira mais rígida em áreas urbanas.
Por que foi tão controversa?
Ativistas na China e no Ocidente afirmaram que a política era uma séria violação dos direitos humanos e das liberdades reprodutivas.

A preferência tradicional por filhos homens na cultura local combinada à política do filho único levou ao alto índice de abandono de meninas em orfanatos, a abortos seletivos de acordo com o sexo do feto e até mesmo casos de infanticídio feminino.
Por causa disso, o equilíbrio de gênero do país pende para o masculino.
Por que está sendo abandonada agora?
Especialistas alertam que a China será a primeira economia a envelhecer antes de tornar-se mais rica, principalmente por causa da política do filho único. Até 2050, mais de um quarto da população terá mais de 65 anos.

A taxa de fertilidade do país é uma das mais baixas no mundo e fica bem abaixo do índice de 2,1 crianças por mulher – necessário para substituir a população a cada geração.
O envelhecimento da população chinesa irá desacelerar a economia, na medida em que o número de pessoas em idade ativa diminui e a proporção entre contribuintes e pensionistas continua a cair.
De que maneira as regras haviam sido relaxadas antes?
Em 2013, as regras haviam sido modificadas para permitir que casais tivessem um segundo filho se um dos pais fosse filho único, mas menos casais do que o governo esperavam aderiram ao novo sistema.

Outro relaxamento das regras nos anos 1980 permitiu que famílias da zona rural tivessem outro filho se seu primeiro filho fosse uma menina.
Minorias étnicas chinesas também não eram submetidas à política do filho único.
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