A difícil luta para proteger os animais selvagens do Vietnã
The New York Times
- ReutersFilhotes de macaco-de-cauda-longa são apreendidos pela polícia em lote de contrabando vindo do Vietnã para a província de Hunan, na China
O caçador Luc, de 45 anos, sai de madrugada da casa coberta de palha de bambu de sua família, na floresta U Minh, no Vietnã, para checar meia dúzia de armadilhas caseiras colocadas ao longo das trilhas que os animais percorrem no mato e nas margens do canal habitado por cobras e tartarugas.
Ele para na frente de uma armadilha feita de madeira e fio de breque de bicicleta, quase invisível sob as folhas. A armadilha está vazia, o que é normal.
"Antes essa floresta era muito diferente. Agora, os animais são tão poucos que a maioria dos caçadores está mudando de trabalho", afirma Luc.
Ainda assim, nas duas semanas anteriores, ele pegou nove tartarugas de caixa do sul da Ásia e tartarugas que comem caracóis da Malásia, cinco cobras tromba-de-elefante, um punhado de pássaros d'água e dois raros grifos do Himalaia. Por precaução, Luc escondeu estas aves na casa de seu irmão, deixando-os amarrados no quarto até que possa descobrir o que fazer com eles.
No passado, Luc frequentemente voltava de suas caçadas com grandes quantidades de animais selvagens, incluindo os desejados pangolins. Também conhecidos como tamanduás escamosos, eles estão entre os mamíferos mais traficados do mundo. Luc trabalha com comerciantes dispostos a comprar pangolins vivos por 60 dólares o quilo.
Apesar de ter pegado apenas dois pangolins no ano passado, o preço faz com que o esforço de procurá-los valha a pena. Ele sabe, no entanto, que essa fonte de lucro não vai durar para sempre.
"Os pangolins serão extintos em breve", explica. Ainda assim, Luc não tem planos de se aposentar.
Ele é um dos milhares de caçadores ilegais que estão acabando com os animais do Vietnã, um dos países com maior biodiversidade do mundo. Os rinocerontes estão extintos, e os conservacionistas estimam que haja apenas um casal de tigres vivo, isso se eles realmente ainda existirem. Mesmo espécies menos conhecidas, como tartarugas de casco mole e civetas, são procuradas por causa da medicina tradicional, para servir de comida, como troféus ou como animais de estimação.
O contrabando ilegal de vida selvagem é um dos maiores do mundo, rendendo estimados 19 bilhões de dólares por ano, sem incluir a pesca e a retirada ilegal de madeira. Todos os países do sul da Ásia e muitos outros fora da região estão envolvidos, mas o Vietnã tem um papel importante. O país é um grande ponto de passagem para bens da vida selvagem que vão para a China e chegam por terra do Camboja, Tailândia e Laos; por barco da Malásia e da Indonésia; e pelo ar da África.
"Depois da China, o Vietnã é o primeiro lugar onde procurar para se descobrir o que está acontecendo com o comércio de vida selvagem", afirma Dan Challender, copresidente do grupo especializado em pangolins da União Internacional para a Conservação da Natureza.
O Vietnã é também um importante consumidor de animais selvagens, especialmente aqueles que servem como ingredientes para a medicina tradicional, como o chifre de rinoceronte, usado para tratar de câncer a ressacas. As carnes exóticas de animais raros são vistas como luxo por uma classe média em ascensão, ansiosa para fazer propaganda de sua prosperidade.
"O pangolim é frequentemente o item mais caro do menu, então, pedi-lo é uma maneira óbvia de se mostrar aos amigos e colegas. Eles não escondem o fato de que é ilegal, mas é ainda mais atraente porque adiciona um glamour de que a pessoa está acima da lei", explica Challender.
A preocupação internacional com o comércio ilegal de animais silvestres nunca foi tão grande, mas conferências, novas estratégias de aplicação e a destruição de lotes de marfim ainda não surtiram efeito.
Em fevereiro, a administração Obama lançou um plano para conter o comércio ilegal de animais silvestres, fortalecendo a aplicação de leis, reduzindo a demanda e enviando um punhado de agentes ao exterior. Os Estados Unidos são o segundo maior mercado para os produtos ilegais de animais selvagens, mas apenas cerca de dez por cento dos traficantes são pegos. Isso ocorre por causa da falta de recursos para apoiar a execução das leis e das lacunas legais referentes a certos produtos, como o marfim.
"O comércio de vida selvagem tem mais visibilidade agora do que jamais teve, e isso é ótimo, mas a conversa dos líderes mundiais sobre este assunto ainda não começou", explica Chris Shepherd, diretor regional do Tráfico no Sudeste Asiático, uma rede de monitoração do comércio de vida selvagem.
Em janeiro deste ano, as autoridades interceptaram mais de 7.500 tartarugas nariz de porco protegidas na Indonésia, um tigre congelado no Vietnã e 190 tartarugas manchadas asiáticas, uma espécie ameaçada, em Cingapura. Como a vida selvagem está desaparecendo no sudeste asiático, caçadores cada vez mais estão se voltando para a África.
Quase 700 quilos de marfim foram interceptados em Uganda em janeiro. No ano passado, apenas na África do Sul, um recorde de 1.215 rinocerontes foram mortos por causa de seus chifres.
Os oficiais conseguem encontrar apenas cerca de 10 a 20 por cento do total de produtos de vida selvagem traficado.
"Podemos estar perturbando as redes criminosas, mas nós certamente não estamos desmantelando nenhuma deles. A situação vai piorar antes de melhorar", avisa Scott Roberton, representante do Vietnã e coordenador regional dos programas de tráfico de animais selvagens para a Sociedade de Conservação da Vida Selvagem.
Enquanto a China aumentou recentemente as prisões e processos para crimes contra a vida selvagem, aqueles pegos por tráfico no Vietnã ou em outros países de passagem quase sempre escapam sem qualquer punição. Vender espécies protegidas é um crime na lei vietnamita, assim como comercializar animais selvagens de qualquer tipo.
Porém, mesmo quando os chefões do tráfico são levados em custódia, o processo muitas vezes depende de encontrar acusações não relacionadas, que serão levadas mais a sério do que o crime contra a vida selvagem, como o contrabando de carros. Caçadores furtivos como Luc – que diz que nunca teve problemas legais – raramente são repreendidos, e a punição, se houver, geralmente implica em uma pequena multa.
"Pouquíssimos criminosos capturados por violações graves, como posse de um tigre ou de chifre de rinoceronte, passam mais de dia na prisão", explica Douglas Hendrie, principal conselheiro técnico da Educação para a Natureza-Vietnã, uma organização sem fins lucrativos sediada no Vietnã.
Animais capturados e produtos da vida selvagem protegidos são facilmente adquiridos em cidades vietnamitas. "Ainda não é uma prioridade da lei, em grande parte por causa da corrupção, do conluio e de uma absoluta falta de preocupação. As pessoas simplesmente não se importam", explica Shepherd.
Thien Vuong Tuu ("o álcool dos deuses"), um restaurante chique em Ho Chi Minh, anuncia pangolim, urso, porco-espinho, morcegos e muito mais no seu cardápio ilustrado. Os clientes interessados no pangolim – vendidos por 150 dólares o quilo – precisam pedi-lo com duas ou três horas de antecedência e fazer um depósito com base no peso.
Quando o cliente retorna para o jantar, o gerente apresenta o pangolim ao vivo à mesa, em seguida, corta sua garganta no local para provar que a carne é fresca e não foi substituída.
"O pangolim é muito popular entre os clientes, porque trata uma série de doenças", afirma Quoc Trung, gerente do restaurante. Sua equipe também seca e embala as escamas do pangolim que sobraram do jantar – um ingrediente popular na medicina tradicional, que ainda está coberto pelo seguro de saúde vietnamita.
Em um domingo à noite, famílias com crianças e grupos de homens de meia-idade enchem o restaurante. Em uma mesa, dois homens falando francês pedem uma cobra, para o deleite de suas companheiras do sexo feminino. Dois garçons jovens trazem uma grande cobra se contorcendo, sua boca bem fechada com um barbante de plástico.
Enquanto os clientes filmam com seus smartphones, um garçom segura a cobra parada. O outro sente com cuidado ao longo do abdômen do animal até que localiza o coração, em seguida, com os dedos nus, abre-a com uma tesoura e remove o órgão batendo.
Quando os garçons torcem o animal, os pingos de sangue caem em uma tigela de cerâmica para serem misturado depois com álcool e bebidos.
"O governo não permite carnes exóticas, mas temos as nossas fontes e boas ligações com a polícia. A demanda por essas coisas é tão alta, que precisamos oferecê-las", disse Quoc depois de concluir o show.
Dada a falta de fiscalização generalizada, organizações de conservação de base no Vietnã estão cada vez mais na linha de frente. Educação para a Natureza-Vietnã recentemente conduziu uma pesquisa de restaurantes, hotéis e lojas em 12 distritos de Hanói e Ho Chi Minh, registrando cada violação das leis da vida selvagem e insistindo que as autoridades fizessem seu trabalho.
Alguns meses mais tarde, o grupo repetiu a pesquisa e descobriu a disponibilidade de produtos ilegais, que vão desde o "vinho" de cobra até bílis de urso, tinha caído quase 60 por cento em oito dos distritos. "Quando as autoridades nos deixarem sem emprego por fazer o seu trabalho de forma eficaz e consistente, então não teremos mais que insistir isso", constata Hendrie.
Salve a Vida Selvagem do Vietnã, uma organização sem fins lucrativos com sede no Parque Nacional Cuc Phuong, organiza sessões de treinamento em todo o país para os guardas do parque e para a polícia, realiza programas de educação comunitária e opera um dos únicos centros de reabilitação para animais confiscados do país.
No Vietnã, a maior parte da vida selvagem interceptada de comerciantes ilegais é vendida novamente por autoridades no mercado negro. Muitas vezes, Nguyen Van Thain, fundador da Salve a Vida Selvagem do Vietnã, têm de correr para os lugares onde houve confiscos recentes para tentar recuperar os animais antes que isso aconteça.
"Guardas corruptos ainda querem vender animais de volta para o comércio", conta Nguyen. Mesmo que os animais não sejam vendidos, poucos retornam à vida selvagem, devido à falta de instalações de reabilitação.
Os animais que não são mandados para um centro de reabilitação especializado "apenas ficam por aqui até morrerem", afirma Shepherd.
Ao longo dos últimos três meses, Nguyen ajudou no resgate 20 pangolins, mas a capacidade máxima em seu centro – um dos dois únicos no Vietnã que pode cuidar de pangolins – é inferior a 50. Com um orçamento de apenas 90 mil dólares por ano, ele tem poucos recursos para expandir o centro e contratar mais funcionários.
Nguyen diz que não acredita que as atitudes mudarão a tempo de salvar os animais selvagens de seu país.
"O problema no Vietnã é que a conservação é uma maneira nova de pensar. O povo vietnamita precisa aprender a levar a sério o que temos agora. Precisamos cuidar do nosso próprio ambiente e da vida selvagem se quisermos que os animais continuem por aqui no futuro", explica ele.
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